O Curta Vitória a Minas II viajou até o município de Coronel Fabriciano (MG) pra conhecer histórias de mulheres que enfrentaram traumas e violências em um dos momentos mais esperados de suas vidas, a maternidade. A ideia de gravar o documentário “Um Olhar para a Maternidade” nasceu da inquietude da contadora Patrícia Araújo contra os casos de abusos sofridos por gestantes em várias partes do país. As filmagens do sétimo filme do projeto tiveram início nesta quarta-feira (08/03) e continuarão até sábado (11/03).
O envolvimento da mineira com o tema começou depois de uma grande perda dentro da família. No terceiro ano de casamento, a contadora começou um tratamento para engravidar. A gestação chegou um mês após a perda da mãe da mineira. A caçula de seis irmãs e um irmão não teria a mulher mais importante da sua vida por perto para acolhê-la e apoiá-la nos momentos mais difíceis da maternidade. No decorrer dos nove meses de gravidez, dor e alegria se misturavam dentro dela. O turbilhão de emoções provocou na gestante complicações de pressão alta que quase a levaram à morte no parto.
Patrícia ficou três anos sem trabalhar por causa do trauma de perder a mãe. Neste momento sua vida mudou mais uma vez. A transformação veio com a decisão de se tornar voluntária numa organização social voltada para o acolhimento de mães e crianças em situação de vulnerabilidade social. A entidade estava prestes a perder o espaço físico quando a contadora abrigou a instituição na garagem da sua casa até a transferência para um espaço alugado pago por uma igreja.
Hoje, 15 anos mais tarde, o Instituto Brasileiro Missão de Mãe (IBM Mãe) oferece às gestantes um espaço para acolhimento e proteção, com rodas de conversa com psicóloga, psicoterapia individual, oficinas de artesanato, palestras educativas (aleitamento materno, depressão pós-parto, parto humanizado), e o acompanhamento domiciliar nos seis meses após o parto. As meninas recebem roupinhas, fraldas, cestas básicas e são encaminhadas para os serviços de saúde e de assistência social da rede pública.
“Quando minha filha Thaís nasceu, a minha irmã, a Maria do Carmo, que morava em outra cidade do interior mineiro, foi pra minha casa e ficou 12 dias comigo. Ela me acolheu e me ajudou. Outras pessoas também me acolheram e ajudaram num momento muito difícil. E, hoje, quando recebo as mulheres do meu bairro, ou de outros lugares que entram no projeto, quero retribuir aquele acolhimento”, destaca a diretora que até hoje atua na entidade de modo voluntário.
O espaço tem capacidade para atender a 20 gestantes por ano. São mulheres de diferentes idades, desde adolescentes às mais velhas, vindas do Centro, Morro do Carmo, Prainha, Santa Terezinha, dentre outros bairros da região.
“Fazemos busca ativa nas escolas, apresentamos o projeto, deixamos o convite com o diretor e pedagogo, orientando a nos procurar em caso do surgimento de adolescente grávida. A busca ativa é identificar estas mulheres e insistir até que elas estejam conosco no projeto. Estamos lutando contra um sistema, a pobreza, a vulnerabilidade, a gravidez indesejada, uma gravidez na adolescência. É um trabalho bem minucioso. É um atendimento uma por uma”, conta a diretora.
Além de grande parte viver em situação de vulnerabilidade social, muitas carregam problemas como a baixa autoestima, a insegurança, o medo, a desinformação, os conflitos familiares e a violência física, emocional e psicológica dentro de casa.
“Já recebemos gestante com baixa autoestima, com muita tristeza no olhar. Quando fomos averiguar, descobrimos que o marido bebia e agredia a mãe e a criança. O projeto chega para transformar estas mulheres porque elas são acolhidas neste espaço preparado para recebê-las num momento especial de sensibilidade da gravidez. Um lugar aonde podem abrir o coração e escutar histórias de outras mulheres”, explica Patrícia.
O primeiro dia de gravação aconteceu neste momento especial de celebração do Dia Internacional do Mulher. A equipe de produção e de captação de imagens e som gravou a roda de conversa que reúne as mulheres e a psicóloga Marlucy Angela de Morais Evangelista para um bate-papo sobre as principais questões que afligem as gestantes.
Conheça um pouco mais a diretora
Patrícia Araújo Azevedo Alves nasceu em 16 de fevereiro de 1978 em Coronel Fabriciano, Minas Gerais. Caçula de sete filhos, a menina brincou livre no Morro do Carmo. Descia a ladeira debruçada sobre a caixa de papelão até rodopiar no terreno íngreme.
Lá do alto acompanhava com o olhar cada passo do pai na volta do trabalho de vendedor ambulante de frutas na praça. O aposentado Sebastião Laurindo Azevedo pegava a mesma rua do centro, que subia todo o morro até chegar em casa, sempre com uma melancia ou uma bexiga de salame nos braços. Sua mãe Rita Gomes Araújo Azevedo lavou roupa na mão e no tanque para o time de futebol do Clube Casa de Campo até se aposentar.
Gostava de estudar e, na adolescência, cursou, ao mesmo tempo, o ensino científico e técnico, após conquistar a vaga no curso de contabilidade ministrado pelo Instituto Municipal Técnico, em Timóteo. Trabalhou no comércio, em escola pública, em creche privada, no setor de Comunicação por Acidente de Trabalho (CAT) do Hospital Márcio Cunha, em Ipatinga. Hoje, a contadora administra as empresas de restauração predial e de representação comercial montadas junto com o esposo em Coronel Fabriciano.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Gustavo Louzada