Quinze dias após o encerramento das oficinas audiovisuais do Curta Vitória a Minas II, diferentes vivências ainda ecoam na mente dos participantes. Durante duas semanas, sempre às 17 horas, logo depois das aulas, a turma de autores, professores e demais membros da equipe se juntava para ver e comentar os dispositivos de Cinema de Grupo feitos pelos participantes na Vila de Santa Cruz, em Aracruz (ES).
Os dispositivos são experimentos simples: fazer uma foto, uma sequência de três fotos, um vídeo de até um minuto, um som de até um minuto, ou qualquer outra proposta formal mobilizada por uma ideia. Quanto mais o autor ou autora se solta, melhor. O combinado é não identificar a autoria das imagens e sons. Também não existe a ideia de uma execução correta ou errada da atividade. Há apenas o espaço rico de possibilidades para olhar, ouvir e trocar sensações e impressões dentro da experiência individual e coletiva de fazer cinema.
Os exercícios contribuíram para mobilizar ainda mais os participantes do curso preparatório para a gravação dos filmes nas cidades. A realizadora e montadora Marcia Medeiros, que trabalha com audiovisual desde os 20 anos de idade, vem experimentando a vivência do Cinema de Grupo há dois anos, desde que se aproximou das práticas desenvolvidas pelo Laboratório de Pesquisa Kumã, do PPGCine-UFF.
“Ficar mobilizada por uma ideia, olhar para o mundo em busca de uma imagem sintonizada com essa sensação, ver junto o que foi produzido pelo grupo e compartilhar impressões sobre o que se produziu a partir de um mesmo “dispositivo”. Imagens e sons passam a ser do grupo quando a autoria é dissolvida, abrindo novas possibilidades de olhar para aquilo que nós mesmos produzimos. Dizer o que nos toca nas imagens e sons, sem julgá-las, perceber como o que produzimos toca de diferentes formas outras pessoas, encontrar relações de montagem quando todos os dispositivos são vistos em sequência … Nunca vi algo tão simples ser capaz de produzir tantos efeitos sensíveis. No cinema de grupo experimentamos a complexidade do simples em sua máxima potência”, reflete Marcia, que coordenou junto com Cintya Ferreira e Mariana de Lima a experiência do Cinema de Grupo, além de ministrar as aulas de montagem.
Na avaliação da babá Jaslinne Pyetra Matias dos Santos, autora da história “Um Ponto Rotineiro”, moradora de Baixo Guandu (ES), o Cinema de Grupo estimulou o aprendizado, uniu mais as pessoas, criou vínculos e ajudou a turma a entender que cada um tem uma visão, uma forma de pensar e uma opinião. “O experimento foi muito importante para adquirir mais conhecimento e abrir a nossa visão referente a uma fotografia ou a um vídeo que fazemos no dia a dia mas que, muitas vezes, não analisamos verdadeiramente o que sua essência pode significar pra nós”, analisa a autora.
Vindo da cidade mineira de Naque, o aposentado Ademir de Sena Moreira, autor da história “O Tempo Era 1972”, se encantou com a oportunidade de conhecer novas pessoas, de fazer novas descobertas e de compartilhar suas histórias de vida. “Gostei muito até porque eu consegui desinibir um pouco mais com relação a minha fala. Estou tirando bastante proveito desta experiência”, conta.
Quem também aproveitou cada vivência das oficinas, incluindo os momentos de conexão do Cinema de Grupo foi a auxiliar de serviços gerais, Luciene da Conceição Mendes Crepalde, autora da história “Dezinha e sua Saga”. “Gostei muito de estar junto. Gostei dos colegas tão diferentes uns dos outros. E tudo dando tão certo. Nos entendemos bem mesmo com opiniões tão diferentes umas das outras. Fui muito bem acolhida pelos colegas e pelos professores. Aprendi muito e me senti super à vontade para dar minhas opiniões”, conta a moradora de Nova Era (MG).
A catadora de material reciclável, Ana Paula da Conceição Imberti, autora da história “Reciclando Vidas e Sonhos”, acredita que o Cinema de Grupo agregou mais conhecimento para a vivência em equipe. “Ver o cinema com um olhar diferenciado para as coisas a nossa volta é transformador. Esse processo foi maravilhoso! Que venham mais projetos voltados para o aprendizado coletivo e para as trocas de experiências. Aprendi muito com todos e estou colocando este aprendizado em prática no meu dia-a-dia”, conta Ana Paula, moradora de Ibiraçu (ES), presidente da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Ibiraçu (Ascomçu).
Para Marcia Medeiros, independente dos equipamentos usados e/ou da qualidade técnica das imagens e sons, é possível acessar a potência criativa e sensível dos participantes. Na sua avaliação, a experiência com o Cinema de Grupo contribuiu para intensificar os processos de criação dos alunos ao longo dos 15 dias de oficinas.
“Do primeiro encontro para o último, conseguimos fugir da ideia de um modo de representação adequada, certa ou errada. No fundo, o que queremos é nos desviar do já dado. Chegamos com um repertório imagético de um mundo atravessado o tempo todo pela imagem da televisão, da propaganda, das redes sociais. O Cinema de Grupo sensibiliza os nossos sentidos para olhar para o mesmo, podendo ver e criar outras coisas. Olhar para o mundo de um modo diferente para, quem sabe, inventar novos mundos”, enfatiza Marcia.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Gustavo Louzada