Todo aquele mundão de horas gravadas em busca do melhor take agora se transforma em um filme de curta-metragem. E, nesta segunda edição do Curta Vitória a Minas, serão dez curtas-metragens. Depois de assistir ao material bruto filmado, a turma do projeto começou a selecionar e a relacionar imagens e sons. Cada etapa anterior contribuiu para esse instante da edição desde a escolha da história, a escrita e reescrita do roteiro, a labuta da produção e a maratona do set de filmagem.
Dezinha, como é conhecida a auxiliar de serviços gerais Luciene Crepalde, quase não se segurava mais de tanta expectativa e ansiedade para editar seu primeiro filme “Bicicleta Envenenada”, novo nome para a história “Dezinha e Sua Saga”. A mineira de Nova Era resgatou uma das memórias mais remotas da infância: o dia em que deixou a roça para passear na cidade ao lado dos pais. “Editar o filme foi bem divertido! É mais ou menos igual a um quebra-cabeça. Só que é na hora da montagem que a gente vai e faz os encaixes pra ficar perfeito. O filme que a gente grava no set, quando chega na hora da edição, não está todo prontinho pra só emendar. É na hora da edição que a gente vai construindo esse quebra-cabeça”, explica Dezinha.
Antes de vivenciar uma sala de montagem, a mineira imaginava a edição como uma atividade mais simples e mais rápida. Porém, assim como em muitos processos criativos, ela descobriu que montagem exige tempo, conhecimento e dedicação. “A minha história tem um pouco de drama, um pouco de emoção, um pouco de comédia. O que é difícil na montagem é saber dividir isto tudo, separar direitinho e introduzir os sons, a trilha sonora, porque tudo precisa se encaixar perfeitamente”, detalha a diretora.
Como uma boa contadora de história, Dezinha tem marcado nas lembranças detalhes de inúmeros acontecimentos vividos ao lado dos pais e dos oito irmãos. Mas foi somente durante a feitura do filme, na ocasião da gravação do depoimento da mãe, Joana Moreira Mendes, que a diretora elucidou uma das histórias guardadas há décadas. “Na minha memória eu via um fogão vermelho na sala de casa. Um fogão limpinho, com forrinho xadrez por cima, mas sempre apagado. Fui descobrir agora, 34 anos depois, que eu nunca vi o fogão aceso porque minha mãe não teve o dinheiro pra comprar o botijão. Na hora até ri, pois percebi que a minha memória é totalmente verdadeira, não é um sonho da minha cabeça, mas fiquei muito triste por minha mãe ter passado por essa situação”, conta a mineira.
Para a auxiliar de serviços gerais, a oportunidade de fazer um filme é algo inesperado e extraordinário na sua vida. Quem orientou a autora e outros autores no processo de montagem foi a editora e diretora Márcia Medeiros, professora de edição do Curta Vitória a Minas e de programas de capacitação como o “Revelando os Brasis”, o “Belas Favelas” e o “Projeto Memória: HumanizaRio”. A primeira turma a montar os filmes também contou com a orientação da editora Cintya Ferreira, que ministrou encontros de Cinema de Grupo durante o curso do Curta Vitória a Minas II e atuou como oficineira no Cine Quilombola. Márcia, Cintya e Dezinha se encontraram no Instituto Marlin Azul para editar o curta-metragem. “Montar o filme está sendo muito gratificante pra mim porque pensar que uma menina da roça que custou a aprender a ler e a escrever, morria de vergonha até da sombra, hoje em dia é conhecida na cidade por fazer um filme! Isso pra mim é muita coisa. Estou me sentindo uma celebridade”, declara Dezinha.
Visibilidade
Moradora de Ibiraçu, Ana Paula D C Imberti também veio à capital do ES para montar o seu primeiro curta-metragem a partir da seleção no Curta Vitória a Minas II. O filme “Reciclando Vidas e Sonhos” mostrará a força da união e da organização de trabalhadoras através da Associação de Materiais Recicláveis de Ibiraçu (Ascomçu). A coletora de materiais recicláveis, responsável pela coordenação da entidade, ficou empolgada com a evolução do processo de construção do filme desde a construção do roteiro até a edição das imagens e sons. A capixaba se surpreendeu com a elaboração e as técnicas que envolvem o ordenamento e a finalização de um filme. Segundo Ana Paula, um dos desafios desta trajetória da montagem é rever todas as cenas e depoimentos para selecionar o essencial para dar vida ao documentário. Um trabalho que envolve paciência, aconselhamento, atenção e aprendizado, segundo a diretora.
“É surpreendente ver que tudo que era apenas um sonho, virar uma história e se tornar realidade com um curta-metragem. Estou feliz de mostrar a história de vida destas mulheres e homens e contar como é o trabalho da reciclagem na prática. A expectativa agora é ver o filme finalizado e pronto para transmitir para as pessoas a importância destes trabalhadores, do trabalho que fazem dentro de cooperativas e associações e da educação ambiental da sociedade através de atitudes como a separação correta dos materiais”, destaca Ana Paula D C Imberti.
Novas descobertas
O aposentado Ademir de Sena Moreira mobilizou antigos amigos e familiares de várias gerações para gravar “Holerite”, novo nome para a história “O Tempo era 1972”, baseada em suas memórias de infância no Naque (MG). Aos 14 anos de idade, ele era um adolescente inventivo e cheio de disposição para ajudar os pais e os irmãos no sustento da casa. Nesta época, Ademir e o irmão Ismar vendiam pão com manteiga para os trabalhadores do canteiro de obras da construção das canaletas usadas no escoamento das águas às margens dos trilhos da ferrovia. Depois das gravações repletas de reencontros, emoções e nostalgia, chegara a hora de montar o curta-metragem.
“A expectativa era muito grande porque vamos para um desconhecido, não sabemos nada à respeito do que é editar. Até a palavra para mim era nova. Então, é tudo uma experiência muito nova, mas, graças a Deus, deu muito certo. A gente vai casando uma coisa com a outra, tirando, acrescentando. Foi uma novidade pra mim, abriu um leque de informações, pois assistimos televisão, mas não temos noção de como funciona tudo. Muito bom!”, relata Ademir que se sentiu acolhido pelas profissionais de edição.
Para o diretor, rascunhar uma história, ser selecionado, participar de oficinas e chegar à montagem, aos 65 anos de idade é, ao mesmo tempo, um desafio e um privilégio. Na avaliação do diretor, levar a cultura de uma pequena cidade aonde nasceu e viveu para outros lugares através do filme é uma responsabilidade e uma imensa honra. “Ver a história transformada em filme será uma realidade não só para mim que escrevi mas para todos que compuseram a equipe e para aqueles que fizeram parte das cenas. Pra mim e pra cada um será uma marca histórica”, declara o mineiro.
Outros sete curtas-metragens mineiros e capixabas ainda participarão da etapa de montagem. O circuito de exibição das obras em telonas de cinema montadas nas cidades durante sessões abertas e gratuitas acontecerá ainda em 2023. O Curta Vitória a Minas II é patrocinado pelo Instituto Cultural Vale, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, e conta com a realização do Instituto Marlin Azul, Ministério da Cultura/Governo Federal.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Patrícia Cortes e Beatriz Lindenberg