E se o espírito guardião dos dinossauros aprisionado há milhões de anos em uma grande árvore à beira de um rio concedesse poderes para quem o despe…
E se o espírito guardião dos dinossauros aprisionado há milhões de anos em uma grande árvore à beira de um rio concedesse poderes para quem o despertasse? Esse é o fio condutor da aventura vivida por três meninas na ficção “O T-Rex e a Pedra Lascada”, escrita pelo educador ambiental Luan Ériclis, selecionado pelo Curta Vitória a Minas II. As gravações da obra aconteceram nos dias 17 até 20/03, em João Neiva.
A fantasia, o suspense e o mistério abraçam o enredo. Porém, a obra carrega reflexões sobre aspectos reais da existência humana. A história celebra a natureza viva e pulsante, quer arrancar o espectador do sono profundo provocado pelos dias acelerados e pela falta de conexão consigo mesmo para convidar-lhe a um mergulho na alma das folhas e das águas.
A inspiração do autor nasce das memórias de infância com os pés descalços sobre a terra, a areia do fundo do rio e as pedras. Luan cresceu solto no mato em um bairro aonde as famílias compartilhavam suas vidas em quintais sem muro envoltos por laços de afeto, colaboração e solidariedade. O menino de personalidade expansiva, comunicativa e livre sempre se moveu como o rio que aprendeu a amar e a respeitar.
Elementos vivos como a água, a mata, a magia, os encantados, a imaginação e a aventura se misturam e se combinam nesta história de fortalecimento das memórias, dos saberes, das raízes, da ancestralidade e dos valores dos povos negros ao ritmo dos tambores de congo, das cantigas de roda e das cirandas, cirandinhas.
“Eu morava no bairro do Cruzeiro, no centro da cidade. Daí, houve um deslocamento pra esse outro lugar mais afastado chamado Crubixá, numa região formada por descendentes de negros que vieram trabalhar na lavoura de café. Desde a infância sempre gostei muito de natureza. Quando não tinha aula, eu acordava cedo, ia para o mato, tomava banho de rio, chupava mexerica, comia goiaba, voltava pra casa quase à noite”, conta Luan.
A jornada
Luan nasceu numa família simples com fortes vínculos de pertencimento, pouco recursos financeiros e dificuldades materiais. Para sustentar a casa, a mãe prestava serviços de gari e o pai descarregava caminhão e apanhava café na roça. O jovem de 27 anos é o primeiro da família de descendentes de reis e rainhas africanos – como costuma se apresentar para marcar a luta pela reparação histórica – a cursar o ensino médio, a conquistar uma graduação e uma pós-graduação. Formou-se em Ciências Biológicas, em 2018, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), no Campus de São Mateus, no norte do estado. Lá também estudou teatro de rua e de palco através de projetos de extensão universitária.
“Na época da faculdade, em paralelo ao estudo da botânica, me apresentava em peças de teatro nas comunidades tradicionais do entorno da universidade. Comecei a descobrir outros locos de conhecimento, outras formas de produzir saber, de ver o mundo e de se relacionar com a natureza. Aquilo casou bastante com a biologia. E, quanto mais eu me aproximava das comunidades, mais eu aprendia, mais eu tinha interesse em aprender e aquelas descobertas foram se cruzando e criando conexões”, relata. Da combinação da biologia com o teatro surgem os trabalhos com a educação ambiental em comunidades tradicionais, especialmente, em regiões ribeirinhas impactadas por projetos industriais, tanto em cidades capixabas quanto em municípios baianos.
Luan avançou na jornada de autoconhecimento à medida que os estudos de pós-graduação na área das ciências humanas e sociais o levavam para um questionamento mais detalhado sobre as relações etnicorraciais e para um entendimento maior em torno da luta e da resistência dos povos negros e indígenas. Ao mesmo tempo, a proximidade, o envolvimento e a troca de experiências com populações ribeirinhas durante as atividades de educação ambiental ajudavam a aperfeiçoar a reflexão e o aprendizado em torno da rica relação entre as comunidades tradicionais e o meio ambiente.
No ano passado, o diretor teve a dissertação de mestrado aprovada pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). A obra tem como tema “Entre as Raízes do Mangue e os Movimentos da Ruas: o conhecimento tradicional e o patrimônio imaterial como elementos de (re)existência afro-indígena em Caravelas, na Bahia”. A pesquisa buscou compreender quais as possíveis contribuições socioculturais do ecossistema manguezal no processo de construção dos saberes tradicionais pesqueiros da comunidade ribeirinha Tapera e Miringaba, na Reserva Extrativista do Cassurubá, em Caravelas (BA). O estudo valoriza um olhar em torno da prática milenar de transmissão de conhecimento por meio da oralidade e do saber-fazer local. Todas as vivências o fortaleceram e o moveram a contar a história “O T-Rex e a Pedra Lascada”.
As filmagens
No dia 16/03, véspera do primeiro dia de gravação, a equipe de produção, captação de imagens e som percorreu as locações para conhecer de perto os cenários naturais do filme. O curta-metragem foi totalmente composto por cenas externas nas localidades de Mundo Novo e Crubixá, na zona rural de João Neiva. O antigo quintal da família onde o menino cresceu e brincou abrigará parte das sequências. Após cinco meses de preparação, Luan colocará em prática tudo o que sonhou.
Na primeira etapa do projeto, os autores selecionados se deslocaram até as oficinas audiovisuais para uma imersão formativa a fim de aprenderem com professores de cinema como transformar as histórias que contaram em filmes. “Na etapa de gravação, parte desta equipe profissional volta para se reconectar, desta vez neste outro lugar aonde as histórias acontecem, adentrando a nossa intimidade, porque são histórias que nos perpassam, muitas delas, vêm do âmago, e embora particulares, nos atravessam no coletivo. E a gente precisa capturar essa essência porque foi isso que nos motivou a escrever e a participar de toda essa loucura que é uma produção audiovisual. Chegamos ao set de filmagem também motivados por essa troca que continua e permanece”, destaca Luan que conta ainda com a participação de familiares e amigos no elenco e na equipe de produção.
Desde a inspiração para a história, a criação do roteiro, a mobilização das pessoas, a seleção e preparação do elenco, a escolha das locações, a elaboração dos figurinos, a história foi se consolidando. “A ideia partiu de uma memória afetiva que fui escrevendo, colocando uma magia, um encanto, uma ancestralidade, blocos de experiências, tecendo esta colcha que foi ganhando novos elementos e camadas, me revelando o quão profundo pode ser uma história. Às vezes, contamos aquilo em duas, três frases, mas se abrir, destrinchar e tentar compreender de onde veio aquela memória, o que significa, quais relações aquilo implica com a trajetória, com os sentimentos, vamos descobrindo que fala de muitas vivências sobre a gente”, destaca o diretor capixaba.
Conheça o diretor um pouco mais
Luan Ériclis Damázio da Silva nasceu em 05 de agosto de 1995, em João Neiva, no Espírito Santo. Filho de Adriana Rocha Damázio e de Josino Gomes da Silva, é o primogênito da família composta por três filhos. Luã Ériclis, como gosta de ser chamado, é o irmão mais velho de Adrielly Damázio (mãe da Maitê e do Adrian) e de Josiely Damázio (mãe da Moana, Jeisielly, Alexia e da pequena Brielly, que está sendo gerada na barriga).
A descoberta da seleção da história no Concurso do Curta Vitória a Minas aconteceu num momento muito doloroso para o autor por causa do impacto da perda da irmã do meio, Adrielly. O curta-metragem, que é um clamor pela preservação dos tesouros ambientais do planeta e pela reconexão do ser humano com sua divindade e poder interior, trará uma delicada homenagem à saudosa irmã e a outros entes queridos falecidos, como um gesto de honrar os antepassados e lembrar que suas histórias jamais serão esquecidas.