Aimorés (MG) resgata lembranças entre o Rio e a Ferrovia

O Curta Vitória a Minas II desembarcou em Aimorés (MG) para contar a história de “Lia: Entre o Rio e a Ferrovia”, escrita pela educadora e comunicadora Elisangela Bello. O roteiro a ser transformado em curta-metragem faz uma viagem ao passado para resgatar as memórias de uma menina do interior que um dia sonhou em ultrapassar os limites do rio e da ferrovia para desvendar o mundo.

Filha de mãe dona de casa e de pai ferroviário, Elisangela viveu da infância à adolescência no fluxo permanente entre Aimorés e a vizinha Baixo Guandu (ES), as duas cidades aonde vivem os parentes maternos e paternos. Aos quatro anos de idade juntou pela primeira vez os pedacinhos das sílabas para ler as palavras nas revistinhas em quadrinhos. Desde cedo descobriu o amor pelos estudos, os livros e a alegria de ouvir, contar e escrever histórias. Ao acessar o universo da escola, aprendeu a compreender a existência a partir de diferentes olhares e experiências.

As gravações começaram nesta quarta-feira (22/03) e seguirão até sábado (25/03). “Lia: Entre o Rio e a Ferrovia é uma história que fala para as nossas infâncias, para as nossas saudades, para a relação que as pessoas do interior têm com o ir e vir, que é muito inerente a nossa rotina. Sempre tem alguém com um parente fora, sempre existe a expectativa daquele que vai retornar e nos visitar. Para quem está fora sempre existe uma vontade muito grande de voltar. Isso faz parte do cotidiano das pessoas do interior de uma maneira muito íntima e que fala muito ao coração”, relata a diretora.

Uma das lembranças mais fortes dos primeiros anos de vida da professora é a espera pelo trem. Do alto da varanda de casa, agarradas à pilastra, diante da estrada de ferro, ela e a irmã Bruna viam seu pequeno lugar se iluminar com a volta do pai após uma semana de trabalho na manutenção da via férrea. “As minhas memórias são todas marcadas pela chegada do papai. Quando ele pisava na plataforma, o seguíamos com os olhos até ele fazer a travessia. Como a gente morava em frente ao cemitério, havia ali uma passagem, um caminho mais curto pra minha casa. Papai sempre nos contou histórias da ferrovia, de tudo o que via, dos colegas mais engraçados, dos colegas com quem aprendia a cozinhar, no trecho, no alojamento. Às vezes, ele chegava, sentava no sofá, e ficávamos ali em volta, esperando que tirasse a botina e o capacete. A gente pegava o capacete dele e guardava. Isso é muito marcante”, lembra a diretora, hoje com 43 anos de idade.

O final de semana em família era rico de afeto, no cuidado com a horta, no café da manhã compartilhado, animado pelos programas matinais de rádio. A dedicação e a força de trabalho do pai para garantir a subsistência da família sempre foram um orgulho para a menina, assim como a sua admiração e respeito pela espiritualidade, a resistência e a capacidade de realização da mãe, que cuidava dos filhos e da casa. Aprendeu com o pai e a mãe a ter a fé como norte, o trabalho como segurança e o estudo como um perspectiva de melhora de vida.

A preparação para o filme

As filmagens acontecerão em diferentes espaços: às margens do rio Doce, na Estação Ferroviária, dentro do trem de passageiros, no antigo Colégio do Carmo, onde hoje funciona a Faculdade Unipac, entre outros lugares conhecidos da cidade. Para Elisangela, a pré-produção foi uma etapa desafiadora porque exigiu organização e gerenciamento das pessoas, do tempo, das estruturas de locação, dentre outras tarefas. Um dos pontos fortes desta preparação foi o espírito colaborativo, em especial, da turma da educação.

“Eu tive reencontros belíssimos com professoras da minha primeira fase educacional, da educação básica, pessoas que deram uma contribuição enorme para a sociedade e que precisam ser mais valorizadas. Durante estes encontros maravilhosos, elas puderam se rever num momento diferente da vida, com mais experiência, com mais leveza. Foi um momento muito importante. Espero que as pessoas sintam a emoção que estamos sentindo ao produzir e ao fazer esse filme”, relata Elisangela.

Para a diretora, o Curta Vitória a Minas é uma oportunidade de colocar para fora algumas histórias que sempre a influenciaram, a ajudaram a ter uma compreensão de mundo melhor e a contribuir com as jornadas de outras pessoas. Ela conta que sua história trata do quanto a infância marca, projeta e impulsiona cada um ao longo da vida e do quanto essas saudades fazem parte da cultura, da consciência coletiva e da relação com o rio e a ferrovia.

Conheça um pouco mais a diretora

Elisangela Bello Pereira Barcelos nasceu no dia 07 de maio de 1979 em Aimorés, Minas Gerais, mas cresceu ao lado da família, do outro lado da fronteiro, em Baixo Guandu, no Espírito Santo. O amor pela leitura e a escrita a levou para o oceano revolto do jornalismo diário que sempre defendeu como um instrumento de conscientização, transformação e construção da justiça e da paz social.

Cursou Jornalismo na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória, cidade onde construiu grande parte de sua trajetória profissional como jornalista. Atuou em rádio e em jornal impresso e online e desempenhou funções de repórter, sub-editora e pauteira. Após 15 anos de carreira, casada e com dois filhos, retornou com a família para Aimores para educar as crianças no interior e fortalecer o convívio deles com os avós maternos e paternos. Nesta nova jornada, se formou em Pedagogia, pelo Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), unindo o universo da comunicação com a educação. Depois de ir e vir em busca de novas descobertas, a personagem volta para o lugar aonde tudo começou com o coração cheio de gratidão e esperança.  

Texto: Simony Leite Siqueira

Fotos: Gustavo Louzada

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